Pular para o conteúdo principal

O uso do cobogó na arquitetura moderna do nordeste brasileiro


TEXTO: Alcilia Afonso

Para saber mais:

AFONSO,  Alcilia. (2019).O uso do cobogó na arquitetura moderna do nordeste brasileiro como patrimônio tecnológico construtivo. Gijón: XXI Jornadas europeias de patrimônio industrial.

O objeto desta postagem trata sobre o uso do cobogó na arquitetura moderna do nordeste brasileiro, como patrimônio tecnológico construtivo, enfocando a sua produção e o sua aplicação na arquitetura

O objetivo é refletir sobre a importância deste elemento construtivo que possui muito significado para a produção arquitetônica brasileira, especificamente, a nordestina, estando associado muitas vezes à produção da Escola do Recife- desde sua origem nos anos 30 à contemporaneidade- que o utilizou em distintas materialidades, conforme será visto ao longo do texto: utilizando-o fabricado em cerâmica natural, concreto, cerâmica vitrificada e vidro.

A pesquisa é resultado de investigações realizadas pelo GRUPAL/ Grupo de Pesquisa Arquitetura e Lugar, cadastrado na UFCG/ Universidade Federal de Campina Grande e no CNPq/ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, na linha que trata sobre Patrimônio Industrial, e que busca dialogar com demais áreas, como a do design, da história da arquitetura, resgatando o acervo gerado pela indústria e suas vinculações.

Justifica-se trazer à tona tal elemento construtivo pela necessidade em difundir este elemento tecnológico construtivo tão significante para a cultura arquitetônica brasileira e que foi proposto como solução tecnológica para uma arquitetura tropical, conforme propôs HOLLANDA (1976).


Figura 1: Montagem de imagens do "Roteiro para construir no Nordeste. Arquitetura como lugar ameno nos trópicos ensolarados”. Fonte: Afonso, 2019.

Certamente vários países tropicais ou não, devem também ter procurado usar soluções que amenizassem suas temperaturas altas nas épocas quentes, permitindo um melhor conforto climático e ilumino técnico.

A metodologia da pesquisa sobre o cobogó apoia-se na adotada pelo GRUPAL/UFCG que aplica análises de design, do processo construtivo e observa a utilização dos elementos construtivos em superfícies arquitetônicas, inventariando os tipos, e criando fichas cadastrais com informações básicas sobre cada elemento. 

Relaciona ainda os métodos da pesquisa histórica (com investigações bibliográficas, in loco, e nas obras) com o da pesquisa de arquitetura (SERRA, 2006) e do design.


Figura 2: Edifício comercial Santo Antônio. 1963. Arquiteto Acácio Gil Borsoi. Fonte: Montagem da autora baseada em material obtido no site http://acaciogilborsoi.com.br/projetos/anos-60/edificio-santo-antonio

Apoia-se em autores que tratam sobre a história da arquitetura brasileira como LEMOS e CORONA (2017), SEGAWA (1997), CAVALCANTI (2001), e em textos voltados para a produção arquitetônica moderna nordestina como os de AFONSO (2006), VIEIRA (2012), entre outros.

Figura 3: A caixa de água de Olinda à esquerda; e o Pavilhão de Verificação de Óbitos, à direita. Arquiteto Luiz Nunes. E equipe. Fonte: Goodwin, Brazil Builds. 1943.

COMBOGÓ, COBOGÓ OU CAMBOGÊ.

Mas, o que de fato é um cobogó? Observe-se a seguir as colocações de autores que trataram sobre a conceituação deste elemento construtivo.

Segundo LEMOS e CORONA (2017, p.138), o termo é conhecido como combogó, cobogó ou cambogê, e trata-se de um “elemento vazado feito de cimento empregado na construção de paredes perfuradas, cuja função principal seria a de separar o interior do exterior, sem prejuízo de luz natural e da ventilação”. 

Os autores explicam que a nomenclatura se generalizou para classificar os “elementos celulares usados como quebra-sol”.  Vinculam ainda o mesmo à influência dos tijolos perfurados das edificações do norte da África, por isso a adoção também do termo cambogê, que foi adotado por GOODWIN (1943) para exemplificar obras revestidas com peles usando este elemento.














Figura 4: Desenhos de Muxarabis de Minas Gerais. Brasil. Fonte: Montagem da autora baseada em desenhos de  José W. Rodrigues 1979.

Tiveram influência também de elementos da arquitetura árabe- especificamente do desenho do muxarabi (Mashrabiya), nome dado ao elemento perfurado colocado na frente de uma janela ou na extremidade de uma saliência abalcoada, com a finalidade se obter sombreamento e de se criar privacidade para quem está localizado no interior do ambiente. “Na quase totalidade das vezes tais anteparos perfurados eram constituídos de um xadrez de fasquias de madeira, que nos caixilhos das janelas, recebiam o nome de rótulas”. (LEMOS e CORONA. 2017 p.331).

Foi bastante utilizado na arquitetura colonial brasileira, conforme pode ser constatado na obra “Documentário arquitetônico” (RODRIGUES, 1979) e condenados por autoridades no século XIX, pois estavam trazendo,segundo as autoridades da época, problemas de insegurança urbana, para identificar a origem de atos criminosos.

Sabe-se que existem diversos tipos de cobogós: cobogó em cerâmica vermelha bruta, cobogó pré-moldado de concreto,  cobogó de cerâmica esmaltada e o cobogó de vidro. Este estudo será direcionado, especificamente para a discussão do cobogó  pré-moldado de concreto. 

Sua origem utilizando o concreto foi assim batizada pelos seus criadores que buscaram a patente da invenção em 1929, em Recife, Pernambuco, a partir das iniciais de seus sobrenomes, CO-BO-GÓ: Amadeu Oliveira Coimbra, Ernest August Boeckmann e Antônio de Góes.

VIEIRA, BORBA e RODRIGUES (2012) produziram o livro “Cobogó de Pernambuco” que foi resultante de uma pesquisa imagética e histórica sobre este artefato de origem pernambucana, que se tornou símbolo da arquitetura moderna brasileira. No livro, os autores além de fazerem um resgate histórico do elemento construtivo, realizam um rico documentário fotográfico, com obras que utilizam tal solução de formas distintas.  

Os autores apresentam um texto esclarecedor sobre a origem do cobogó em cimento, registrado em patente no. 18431, datada de 1929, para “Um systema de blocos de concreto para construções”, solicitada por A. C. Coimbra & Cia.

Nos dias atuais o cobogó em concreto pré-moldado é produzido por uma gama de empresas que estão direcionadas somente à produção destes elementos, gerando uma grande variedade de modelos disponíveis, desde os mais simples e mais baratos até os que apresentam design sofisticado e são mais caros. O processo de fabricação é realizado através de moldagem em formas metálicas, com misturas em argamassa de cimento e barras de ferro 5 mm, possuindo tamanhos variados e geralmente, acabamento bruto em cor natural cinza, aceitando revestimento em tinta acrílica.




BIBLIOGRAFIA

AFONSO,  Alcilia. (2019).O uso do cobogó na arquitetura moderna do nordeste brasileiro como patrimônio tecnológico construtivo. Gijón: XXI Jornadas europeias de patrimônio industrial.

AFONSO, Alcilia. (2006).  La consolidación de la arquitectura moderna en Recife en los años 50 en Recife.    Tesis doctoral Departamento de  proyectos arquitectónicos. ETSAB/UPC. Barcelona.
AFONSO, Alcília. (2012) Arquitetura do sol. Soluções climáticas produzidas em Recife nos anos 50. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 147.00, Vitruvius, ago. 2012 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.147/4466>.
CAVALCANTI, Lauro. (2001). Quando o Brasil era moderno: guia da arquitetura 1928-1960. Rio de Janeiro: Aeroplano.
Edifício Comercial Santo Antônio – 1963. http://acaciogilborsoi.com.br/projetos/anos-60/edificio-santo-antonio/ Acessado em 22 de julho de 2019
FRAMPTON, Kenneth. (1995).  Studies in tectonics culture. Cambridge. Massachussets. The MIT Press.
GOODWIN, Philip. (1943) Brazil Buids. Architecture new and old.1652-1942. New York: MOMA
HOLANDA, Armando de (1976). Roteiro para construir no nordeste. Recife: UFPE/ MDU.
Museu Cais do Sertão / Brasil Arquitetura. In https://www.archdaily.com.br/br/907621/museu-cais-do-sertao-brasil-arquitetura. Acessado em 22 de julho de 2019.
LEMOS Carlos e CORONA, Eduardo. (2017). Dicionário da Arquitetura Brasileira. São Paulo: Romano Guerra. 2ª.edição.
RODRIGUES, José W.. (1979). Documentário arquitetônico relativo à antiga construção civil no Brasil. 4º edição. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia.
SERRA, Geraldo. (2006). Pesquisa em arquitetura e urbanismo. São Paulo: EDUSP.
VIEIRA, Antenor, BORBA, Cristiano; RODRIGUES, Josivan. (2012).  Cobogó de Pernambuco. Recife: 1º Edição.  Edição Josivan Rodrigues.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Raul Cirne: A presença mineira no nordeste brasileiro.

                                                             Texto: Alcília Afonso. AFONSO (2014) vem realizando pesquisas sobre o arquiteto Raul Cirne e sua atuação no nordeste brasileiro, havendo escrito artigos publicados em periódicos e em congressos sobre modernidade arquitetônica e através de tais pesquisas, levantou-se que Raul de Lagos Cirne era filho de Otto Pires Cirne e Maria de Lourdes de Lagos Cirne, e nasceu no dia 04 de agosto de 1928, em Belo Horizonte.                                                    O arquiteto em entrevista à Alcilia Afonso.BH.2013. Foto: Alcilia Afonso/2013. Graduou-se Engenheiro Arquiteto pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, em 1951, quando iniciou, em seguida, suas atividades como arquiteto.                    Em sua antiga prancheta de trabalho. BH.2013. Foto: Alcilia Afonso/2013. Na sua formação como arquiteto, Cirne conviveu com a implantação da linguagem moderna na ci

Casa Miguel Vita, Recife. 1958: Documentação e arquitetura

Esta postagem visa socializar o material documental produzido por mim,  arquiteta, e professora Dra. Alcilia Afonso de Albuquerque e Melo, que entre 2002 a 2006, realizei minha tese doutoral no Departamento de projetos arquitetônicos da ETSAB/UPC-Barcelona,  e analisei esta obra, entre outras, para minha tese de doutorado sobre a consolidação da arquitetura moderna em Recife, nos 50 (Afonso,2006).                               Vista da fachada principal e lateral direita(nordeste). Fonte: 3D de Ivanilson Pereira 2020, baseado em redesenho em Autocad de Alcilia Afonso. 2004 . Torna-se necessário difundir tal pesquisa, considerando que recentemente, entre os dias 3 e 4 de outubro a  Casa Miguel Vita foi abruptamente demolida , nos restando agora, apenas a documentação produzida para a salvaguarda da memória arquitetônica do bem. Conclui recentemente um artigo sobre a obra a ser publicado em breve- na Revista Mnemosine, do programa de pós-graduação em história da UFCG, que fará parte de u

Art Déco em Campina Grande

Texto: Alcilia Afonso Essa postagem tratará de uma breve introdução sobre o estilo Art Déco encontrado em Campina Grande, que compõe um rico acervo arquitetônico estudado por vários autores que se aprofundaram sobre o tema, como Lia Rossi(2010) e Marcus Queiroz(2008). Para quem se interessar sobre o tema, há também um artigo escrito por AFONSO e ARAÚJO(2015) que explora esta linguagem na cidade de Campina Grande. Esclarecendo o conceito: Art Déco e a protomodernidade.   A linguagem Déco foi uma tendência francesa que surgiu devido a um movimento internacional de design, destacando-se no período de 1925 a 1939, se estendendo pelas artes decorativas, arquitetura, design de interiores e desenho industrial, assim como nas artes visuais, na moda, na pintura, nas artes gráficas e cinema. Pode-se afirmar que, de certa maneira, misturou diversos estilos e movimentos, tais como, o construtivismo, o cubismo, Bauhaus, Art Nouveau, o modernismo e o futurismo.