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Patrimônio na contemporaneidade: o caso de Teresina e seu acervo arquitetônico.


Patrimônio moderno: detalhe estrutura/arquitetura na produção do arquiteto Antônio Luiz.
Eldorado Clube. Teresina.


1 - O que poderíamos chamar de patrimônio?
O conceito de patrimônio é múltiplo e complexo, pois incorpora outros tais como herança,  identidade, memória, significado, documento, senso de lugar, dentre outros. E nos dias atuais,  não está voltado apenas para  o que é excepcional, mas o que é exemplar, objetos que documentam a história e conforme colocou o autor espanhol Salvador Muñoz Viñas, oferece um elenco de categorias, tais como as antiguidades, as obras de arte, os objetos históricos, os bens culturais materiais ( móveis, imóveis, edifícios e conjuntos urbanos) e os bens intangíveis.

2 - No caso de Teresina, o que temos de patrimônio?
Considerando o conceito acima, a cidade de Teresina possui um rol de bens que vão desde os bens materiais, imateriais, obras de arte, objetos históricos que constituem esse acervo. Como por exemplo, o acervo de bens imóveis constituídos dos estilos neoclássico, eclético, moderno e contemporâneo da arquitetura local; ou mesmo, as obras artísticas de Nonato Oliveira, Afrânio Castelo Branco, Fátima Campos, presentes em paineis de edifícios públicos e privados da cidade; ou ainda, os bens imateriais, como as  tradições folclóricas, culinárias, culturais como um todo.
Um acervo rico, mas que necessita ser devidamente inventariado por profissionais em cada área, afim de que possam ser devidamente preservados.

3 - A demolição de prédios antigos em Teresina, bem como em cidades do interior, poderia ser evitada? Como?
A falta de educação patrimonial, a ausência de uma política pública preservacionista em nível municipal, o desaparelhamento dos órgãos de preservação que não possuem nem técnicos e nem infraestrutura, são alguns dos fatores da demolição e da descaracterização do patrimônio cultural teresinense.
Para evitar o apagamento da memória coletiva, presente nesses bens, seria necessária a existência de vontade política, conscientização popular, apropriação dos bens pela sociedade a qual pertence, capacitação de técnicos, aparelhamento de secretarias municipais, no sentido de se desenvolver um trabalho mais efetivo na preservação dos bens, com a possibilidade de parcerias entre o setor público e privado para a revitalização e restauração do acervo.

4 - O que a população pode fazer para a preservação dessa memória?
A população precisa ser educada- conhecer o que é esse patrimônio, os valores que os mesmos possuem, pois através do (re) conhecimento dos bens culturais, a população pode se apropriar desses e trabalhar em prol de sua preservação.
As pessoas só preservam o que conhecem, e o que amam e valorizam, por isso, a importância da educação patrimonial, que deve ser realizada nas escolas, nas redes sociais, na mídia.

5 - Qual seria o dever do Estado, nessa questão?
O papel do Estado é dar o exemplo, educar, incentivar a preservação.
Como poderia ser feito? Através da inserção da disciplina de educação ambiental/patrimonial nos currículos escolares;  programas educacionais em rádios, televisões e em rede; incentivos fiscais aos proprietários dos bens culturais para que estes tenham interesse em preservar os bens, que custam caros para ser preservados; e buscar parcerias para financiamento das obras de revitalização e reuso das estruturas patrimoniais.
Observa-se nos últimos anos, um distanciamento do Estado/ município na preservação das áreas e bens culturais. Os governos devem se conscientizar que mais importante do que construir novas obras, fundamental é preservar as antigas estruturas de forma sustentável, gerando a otimização de espaços construídos, que podem ser utilizados gerando emprego e renda para a população.

6 - No Piauí, o que você considera patrimônio, no tocante à arquitetura?
O estado é muito rico no que diz respeito ao seu patrimônio arquitetônico, e cada região possui características próprias, despertando interesse a arquitetura estilística das cidades de Parnaíba, Piracuruca, Campo Maior, Teresina, Amarante, Oeiras, com edificações em linguagem colonial, barroca, neoclássica, eclética, moderna e contemporânea. Ou mesmo, a arquitetura vernácula construída pelo próprio povo, com tectônicas  locais, seja nas técnicas e materiais, como as singelas casas da Ilha de Santa Isabel( no norte do estado).
O patrimônio arquitetônico não é apenas monumento, é também o popular, o singelo, o vernáculo.
A arquitetura de influência indígena, que utiliza a taipa, o adobe, os telhados com estruturas em carnaúba, e revestimentos de palhas- também são patrimônios arquitetônicos piauienses.

7 - Proprietários de imóveis antigos alegam que o governo não custeia as despesas com a preservação desse imóvel, daí o crescimento das demolições. Isso procede?
Conservar um imóvel antigo não é fácil, pois os materiais, as técnicas, a mão de obra, são pontos que exigem maior custo operacional. O governo seja ele, federal, estadual ou municipal precisa incentivar uma política de incentivo fiscal para esses proprietários de imóveis a serem preservados, promovendo isenções de impostos aqueles que restaurem, revitalizem, preservem seus bens. Também se faz necessário, dinamizar a análise das intervenções no patrimônio edificado, através da adoção de uma gestão compartilhada nos três níveis, a fim de que os processos sejam mais céleres, na busca de soluções que não engessem a cidade, mas que tragam nova vida ao acervo patrimonial.


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